Conferência do Superior Geral da FSSPX no Brasil

Padre Davide Pagliarani
Palestra realizada por ocasião da visita ao Brasil na Festa de São José Operário, 01/05/2025.

A Sinodalidade e a Crise Atual da Igreja

É realmente uma alegria estar aqui hoje. Gostaria de falar — vou falar um pouco sobre a Fraternidade e sobre o momento particular que vivemos.

Neste momento, como sabem, não há Papa (o Papa Leão XIV ainda não havia sido eleito), e também não há muitos bispos na Fraternidade. Assim, a Fraternidade conta com apenas dois bispos, com tudo o que isso implica. Vocês já sabem. Falarei um pouco sobre isso, mas penso que antes de tocar nesse tema, convém apresentar algumas ideias sobre o que está acontecendo na Igreja.

A sinodalidade: do que se trata?

Gostaria de falar por alguns minutos sobre o tema da sinodalidade. Por quê? Porque devemos sempre manter o olhar atento ao que acontece na Igreja. Nossa posição se justifica na medida em que há um problema real dentro da Igreja. Se não existisse uma crise gravíssima, nossa postura não teria razão de ser.

O que é essa sinodalidade de que vocês certamente já ouviram falar? Sem dúvida, é a grande ideia do Papa Francisco. Todo o seu pontificado se resume nessa noção, que não é tanto uma doutrina, mas um método, uma maneira de conceber o magistério da Igreja.

Tradicionalmente, na Igreja há uma hierarquia: o Papa e os bispos têm o dever de ensinar a fé, de guardar o depósito revelado, transmitido pela Sagrada Escritura e pela Tradição. São os guardiões da verdade que vem do alto, de Deus.

Com o Papa Francisco, isso muda. A sinodalidade propõe que a hierarquia — Papa e bispos — estejam “em escuta”. Mas escutando o quê? Não mais a revelação, mas sim o “povo de Deus”.

O processo sinodal começou com consultas em todas as paróquias do mundo. Foram feitas sínteses diocesanas, continentais e depois universais. A partir disso, a hierarquia faz um “discernimento” e, com base nisso, produz novos documentos, ensinamentos e até mesmo dogmas.

Mas isso é gravíssimo. Por quê? Porque a fonte da doutrina deixa de ser Deus e passa a ser o sentimento do povo. Invoca-se o “sensus fidei”, a suposta intuição instintiva do cristão. Mas esse senso acaba confundido com qualquer desejo ou tendência do mundo moderno.

As consequências

As consequências são tremendas. Primeiro, qualquer desejo contemporâneo — já que o povo vive no mundo — pode se tornar magistério. Segundo, como o mundo muda, a doutrina também mudará. Assim, criam-se “verdades dinâmicas”, sujeitas à evolução. O que hoje é válido, amanhã será superado por outra “nova verdade”.

Exemplo concreto: a bênção de casais homossexuais. Foi o Papa quem a promoveu. Por quê? Porque, segundo essa nova abordagem, se o povo de Deus pede, se sente necessidade, então isso vem do Espírito Santo. Mas isso é um desastre. Assim, qualquer ideia pode se transformar em doutrina.

Outro exemplo: a cerimônia penitencial de 1º de outubro passado, no início do Sínodo. Pediram perdão não por pecados contra os mandamentos, mas por “pecados” como: contra a paz, contra a criação, contra os povos indígenas, contra os migrantes, contra as mulheres, contra a própria sinodalidade, etc.

Isso não é a moral católica. Trata-se de uma nova moral baseada em critérios políticos ou ideológicos. O pecado, que sempre foi uma ofensa a Deus, agora é redefinido conforme modismos culturais e expectativas humanas. É uma Igreja que já não sabe mais o que é pecado.

O que justifica nossa postura?

Voltamos aqui ao ponto central: existe um estado de necessidade na Igreja que justifique nossas ações? Sim. Quando numa paróquia comum já não se pode garantir o ensinamento da verdade nem o recebimento seguro dos sacramentos, vivemos um estado de necessidade.

Por isso, a Fraternidade toma medidas proporcionais. Entre elas, as consagrações episcopais — como as realizadas por Dom Lefebvre em 1988 — são uma resposta extraordinária para uma situação extraordinária.

Os institutos que optaram por acordos com Roma não tiveram liberdade para manter a Missa tradicional ou para se opor aos erros doutrinários modernos. Então, o que queremos para nossas almas e para as de nossos filhos? Quem vai educá-los na verdadeira fé?

A experiência do Papa Bento XVI

Vale a pena mencionar a experiência do Papa Bento XVI. Ele tentou mostrar uma continuidade entre a Igreja tradicional e a pós-conciliar, especialmente por meio da Missa. Mas sua proposta fracassou. Quis colocar lado a lado a nova Missa e a antiga, como se fossem duas formas legítimas de um mesmo culto. No entanto, elas expressam concepções distintas de sacerdócio, de sacrifício e de fé.

O resultado foi a eliminação prática da Missa tradicional com o motu proprio Traditionis custodes, do Papa Francisco, em 2021.

Conclusão

Tudo o que a Fraternidade fez, está fazendo e fará no futuro, não é um desafio à Igreja, mas sim um serviço — um ato de fidelidade à Igreja de sempre. O direito canônico deve estar a serviço da verdade, não o contrário.

Por fim, um conselho: não esperem soluções humanas do próximo conclave. Não se trata de uma disputa entre conservadores e progressistas. Trata-se de princípios. Não basta mudar as pessoas; é preciso colocar em questão os próprios princípios que estão na base da situação atual da Igreja.

Deus sabe quando irá agir. Mas sabemos com certeza que Ele nunca nos abandonará. Ele nos deu a fé e, aconteça o que acontecer, nos dará os meios para alcançarmos a salvação.

O Superior Geral aproveitou a conferência para destacar o papel único e original que Dom Lourenço desempenha como monge beneditino e como associado ao apostolado da Fraternidade. Eis suas palavras:

“Abro um parêntese. Dom Lourenço é um caso único em toda a Fraternidade. Digo isso sinceramente. Há coisas que só acontecem no Brasil. E Dom Lourenço é uma delas. Ele é beneditino, tem outro hábito — vocês o veem —, outro estilo. É um monge.

No entanto, Dom Lourenço é também um prior da Fraternidade São Pio X. Isso, fora do Brasil, seria impossível. Dom Lourenço pensava sobre isso nestes dias: quando se pensa em um monge, imagina-se alguém que acorda cedo, vive uma vida escondida, silenciosa, diante de Deus. E Deus sabe o que ele faz.

Claro, Dom Lourenço tem essa parte. Mas, ao mesmo tempo, dirige uma escola, uma paróquia, e mantinha uma missão em Fortaleza. É um pouco como os monges da Idade Média, que, a partir dos mosteiros, conduziam muitas atividades. E isso hoje só acontece no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro.

Sinceramente, a Fraternidade pode tratá-lo com total confiança como a qualquer outro prior. Agradeço imensamente por tudo o que fez pelo Brasil, pela vida beneditina e por sua fidelidade a Dom Lefebvre e à Fraternidade São Pio X até hoje. Sinceramente, Padre, muito obrigado. Isso não estava previsto, por isso falo com tanta sinceridade.”

Veja mais artigos como este no site da FSSPX

Compartilhe:

VEJA TAMBÉM:

INSCREVA-SE PARA RECEBER NOSSOS BOLETINS INFORMATIVOS

Quem se cadastrou para a Santa Missa ou em outro formulário, não há necessidade de cadastrar-se novamente.